Uma
noite cultural boavistense! Foi este o diferencial que marcou o lançamento do livro
‘Memórias
guardadas no Baú de Aninha’, da escritora Maria do Socorro Farias
Almeida, dia 21 de janeiro, em Boa Vista, no Cariri paraibano. Diversos
talentos de várias modalidades artístico-culturais se apresentaram para
homenagear a autora, que foram prestigiados por uma platéia formada por conterrâneos,
familiares e amigos, vindos de diversos municípios, além de estados vizinhos.
Música,
poesia, literatura deram o tom à noite. Um verdadeiro desfile cultural,
apresentado, cantado, declamado e exaltado por filhos da terra, descendente da linhagem
do capitão-mor português Teodósio de Oliveira Ledo. Acompanhada pelo flautista
Fernando Pintassilgo, nome artístico de Antônio Fernando Farias, Socorro
Batista Gomes declamou uma poesia do seu tio Ogedir Batista (in memorian).
Pintassilgo retornou no final, fazendo um dueto com o flautista Roniere Soares.
O professor Egberto Araújo, que assina o prefácio
do livro, fez uso da palavra, além do vice-prefeito, André Gomes.
Por fim, Gabriel, neto de Socorro e representando a família, a
presenteou com um ramalhete de rosas.
‘Memórias guardadas no Baú de Aninha’ destaca genealogia e histórias
de pessoas e famílias
O
conteúdo do livro trata de um misto de genealogia com histórias de pessoas e
famílias que nunca foram contadas. Com
origens fincadas na linhagem dos descendentes do capitão-mor português,
Teodósio de Oliveira Ledo, além de Boa Vista, o conteúdo do livro, que trata de
nove gerações, contempla algumas pessoas oriundas de outras localidades
caririzeiras, especialmente Cabaceiras, São João do Cariri, Serra Branca, Sumé
e Soledade. Tudo isso distribuído em 874 páginas.
Com
selo da Editora A União, a obra revela origens familiares de Boa Vista
e será apresentada, na solenidade de lançamento, pela professora universitária
Maria da Conceição Gonçalves de Araújo. Segundo a autora, o livro, além de uma fonte de pesquisa que consolida parte da
história regional do Cariri paraibano, destaca, no seu teor, elementos do
perfil sócio-econômico-político-cultural da genealogia das famílias que
originaram-se da Fazenda Santa Rosa – Boa Vista, fazendo a retrospectiva de uma
história quatrocentenária.
Socorro
Farias informa que o capitão-mor português Teodósio de Oliveira Ledo foi um
desbravador infatigável, que chegou ao Brasil em 1680, possuindo propriedades
em diversas regiões paraibanas. Acrescenta que foi na zona do Cariri, onde ele
fundou a mais marcante: a Fazenda Santa Rosa, berço da descendência do
município de Boa Vista, que pertencia ao município de Campina Grande.
Foi ali que
germinou a árvore genealógica em que muitos dos seus descendentes, ao longo das
nove gerações, destacaram-se nos aspectos sócio-econômico-político-cultural. O
livro trata de toda esta trajetória. A arte da capa é assinada pela autora, que
também é artista plástica.
A autora,
que debruça-se sobre a pesquisa genealógica há mais de duas décadas, alerta que
“a história dos nossos ancestrais é nossa. Se não repassar, ela desaparecerá e
que deverá manter-se vivas nas memórias para servir-se de herança”. Neste
sentido, outra vantagem, apresentada pela obra, é que as pessoas, ao conhecerem
suas origens, poderão ter a base para prosseguir e construir sua própria árvore
genealógica.
“Registrar a história é legar às gerações
atuais e futuras a oportunidade de conhecer suas origens. Isso beneficia os
nossos referenciais, quanto à importância e repercussão do passado na
construção do nosso presente e do futuro”, reforça a autora, que é membro do
Instituto Histórico e Geográfico do Cariri Paraibano.
Revisitando os
desbravadores
Ao assinar
a apresentação da obra, o professor universitário Egberto Araújo ressalta os
méritos de escritora da autora, que estreou no mundo literário com a obra ‘Abrindo
o baú de Aninha’ (1998). “A escritora Maria do Socorro Farias Almeida
nos brinda com mais uma obra, ‘Memórias guardadas no Baú de
Aninha’, que revisita a biografia dos pioneiros desbravadores e os
laços com as famílias de Boa Vista e derivadas destas. A escritora vai
desvelando em seu texto histórias de famílias nunca contadas: uma por receio e
outras por segredos.
Nestas
últimas, prossegue Egberto, estavam os casamentos não consentidos, o amor entre
os amantes... Neste livro caminhamos séculos adentro nas histórias de
entrelaçamentos familiares que no presente afirmam nossa identidade e nos dão
destino, onde os fios da consagüinidade que nos unem garantem a nossa
ancestralidade como uma marca indelével do pioneirismo de uma saga que não terá
fim... Diante da importância histórica deste livro, lê-lo, estudá-lo, e
refleti-lo é uma imposição cívica agregado ao prazer de se encontrar em cada
página”.
O
livro traz ainda uma crônica da jornalista Fátima Farias, com o título “No aconchego da ancestralidade”, relatando o
reencontro com suas raízes e ressaltando a importância da visão sistêmica, na
ordem do pertencimento, hierarquia e honra aos ancestrais.
CONFIRA A COBERTURA DO EVENTO!
Fotos: Ceiça Rocha
Mª do Socorro Farias Almeida
Composição da mesa
O discurso da autora
Egberto Araújo (prefaciador)
André Gomes (vice-prefeito de Boa Vista)
Fernando Pintassilgo e Socorro Batista
Cantora Dalva Guimarães encantou a platéia
Cronista Miracy Farias
Fernando Pintassilgo e Roniere Soares |
A homenagem do neto Gabriel, representando a família
da autora. Pura emoção!
Assessoria de imprensa: Fátima Farias
Fátima Farias comandou o cerimonial
e a assessoria de imprensa
DISCURSO DE SOCORRO FARIAS
Sou genealogista e historiadora
improvisada. Apenas desejo legar às gerações atuais e futuras a história de
nossos ancestrais, porque é muito importante.
Vidas se passaram, mas nós somos a
continuação, pois o presente depende do passado deles.
Quando criança ouvia histórias da
convivência de minha família, que me causava um grande fascínio.
Ainda hoje tenho desejo de ter feito
parte dessa convivência.
Sou fascinada por baús. Possuo meu baú
de lembranças. Sempre haverá um baú para ser explorado. Quem sabe você
encontrará retalhos da vida de sua família, que deixou suas lembranças, seus
sentimentos, sonhos não realizados etc.
Quantas gerações já passaram por
solitários baús? É preciso esvaziar um velho baú e conhecer seus antepassados.
Sentirá saudades e lembranças.
É gratificante!
Agradeço a Deus, por me inspirar e me conceder
mais uma oportunidade de aprofundar um tema que tanto me dá prazer.
Agradeço ao professor Egberto Araújo
pelo brilhante prefácio do livro e à prima e amiga Conceição Gonçalves Araújo,
que, pela segunda vez, me prestigia com a apresentação dos meus livros.
Sou imensamente grata pela presença de
todos vocês, meus convidados, familiares e amigos, que me fazem feliz.
Especialmente aos boavistenses que residem noutros municípios e estados e se
deslocaram até aqui, exclusivamente para compartilhar comigo deste grande
momento.
APRESENTAÇÃO
DO LIVRO
Profª Mª da Conceição
Gonçalves Pereira de Araújo *
Estimadíssima
genealogista Ma. do Socorro Farias Almeida, artista plástica Marisfal e
familiares aqui presentes que nesta ocasião serão saudados em nome de Alisson e
Maria Augusta, jornalista e escritora Fátima Farias, saúdo autoridades civis e
eclesiásticas aqui presentes. Família de Teodósio de Oliveira Ledo, que somos
nós, escritores, intelectuais de todos os níveis saudados em nome de Miracy
Farias, meus senhores e minhas senhoras:
-
Antes de iniciar a minha oração desta noite eu e Egberto, comprometidos com a
Memória, achamos por bem sintetizar o que mídia propagou deste evento
admirável. Juntamos tudo num só quadro para que Socorro e seus familiares e os da Casa do Roçado do
Mato, mantivessem redivivo este momento histórico e afetivo.
(CONCEIÇÃO
FEZ A ENTREGA DO QUADRO)
Mais
uma vez a genealogista Ma. do Socorro me brinda com a honra de me colocar
diante do Baú de Aninha... A primeira vez foi
no dia 2 de maio de 1998, neste mesmo espaço deste Grupo Escolar
Teodósio de Oliveira Ledo, onde nós e tantos de vocês por aqui passaram. Nesta
espaço gravitam, em ondas imaginárias, as vozes das salas de aula e uma legião
de professoras estelares a pedirem silêncio à balbúrdia juvenil, a ditarem as
cópias, ditados ao mesmo tempo que a sineta de D. Enedina anunciava o recreio
que se embranquecia com as sacolas das merenda avidamente destroçadas enquanto
lá do pátio vinha o coro “se esta rua
fosse minha”...ou “fui ao Tororó beber água...” ou “fui à Espanha buscar o meu chapéu”...Esta última se me fez presente numa grande
avenida de Madrid, nela procurei nos vendedores de rua um chapéu para compor o
meu visual de sonhos de infância...Não encontrei nenhum chapéu com fitas azuis
e brancas...Mas encontrei os leques de Manolita, artista de uma companhia mambembe
que se apresentou numa noite na garagem de Seu Perico e de D. Chiquinha, hoje
ladeada das casas do engenheiro agrônomo Josemberg Farias e de D. Berenice.
Aninha prega peças...
Ela inspirou a escritora Socorro Farias
Almeida dar um rumo definitivo à nossa identidade, chamou-a a gravitar numa
órbita de sentidos onde o sangue de família sem os dotes materiais mas com os laços que
nos unem, promoveram uma afinidade intensa na significação suprema de se
pertencer.
O Baú das Memórias guardadas de Aninha
permitiu que se expusessem seus tesouros traduzidos na infinita simplicidade do
cheiro das coisas guardadas na aparição
das redes de varandas rendadas, nos punhos retorcidos e esmaecidos pelo tempo,
nas mantas coloridas bordadas a mão por moças casadoiras a tecerem seus
enxovais de sonhos, cheios de amores encantados, de cavalheiros gentis, dos
mistérios da alcova, das dores de amar até morrer...
O primeiro Baú tinha um ar de coisas não
acabadas... O mistério das descobertas estavam instigando levar a pensadora a
uma curiosidade ancestral que foi deixada nas últimas páginas. Era como se elas
já iniciassem a primeira destas Memórias hoje consumadas neste segundo volume.
Suponho Socorro levantando a pesada e enorme parte da Baú que se apresentou
brilhante e trêmula diante das histórias
que saíam de uma tumba que os nossos
desbravadores ainda estavam presos...
Esse
contigente se organizou, se materilizou neste
respeitável Documento de eterna
consulta de nossa identidade e
destino de estarmos no mundo cujos vínculos nos protegem e nos credenciam
a pretencermos a uma só família. À Família dos Oliveira Ledo e seus descendentes
na fixação edificada da Casa Grande que se constituiu a maior descendência de
Santa Rosa de Boa Vista, cujos relatos aprofundam e regatam a Antroplogia
de uma saga, também, estudada por Dr.
Antônio Peba e Francisco Soares.
Há muito que falar nesta noite... Certamente
este desvendar familiar me deixou emocionada por muitas razões. Uma delas é que fui sabedoura de que o espírito de
pioneirismo de Seu Dadá, meu pai, trouxe para Boa Vista o primeiro telefone,
cuja cabine era dentro de casa mesmo e só se comunicava com Cabaceiras, o que na
época já era um grande avanço. Encheu-me de emoção, Socorro, quando você se
refere a João de Dadá comparando-o a um Anjo por cuidar de doentes sem socorro
médico, com ferimentos graves, sem temer ou exigir paga.
Fui gratificada com imensas gargalhadas noite
a dentro onde se recorda tantos e tantas figuras hilárias que povoarem o
imaginário de Boa Vista, como o inesquecível e puro Seu Buída que,
invariavelmente, terminava qualquer conversa com a expressão;” Não é seu miserável?” ou o “já vou velha abusada” de Zé Maria que
não respeitava nem a doce e linda D. Luzia ou a birra de Zuria que não gostava
de trabalhar e que escondia suas roupas num caixão de defunto que um primo foi
sepultado no mesmo, mas que tinha uma faceta: amava as primas e não casou com
nenhuma delas...
São
incontáveis as vezes que fui chamada de Tia
Lica, quando caprichosa não queria tomar um remédio amargo ou protestava por
medo ou cavilação... Não posso
deixar de mencionar a fantástica cura de Dondo, as botijas que causavam
assombração, enterredas nas salas das Casas Grandes, as cantigas sextilhadas
das feiras, a descrição pungente dos lamentos das mortes por parto, as temidas
pragas dos escravos, os lamentos e humilhações silenciosas a perder de vista no
horizonte... E ainda as histórias da chegada do motor de luz elétrica, a
descoberta da bentonita, as mortes por febre, os casamentos entre parentes.
Com
a modernidade, a chegada dos doutores da terra, dos políticos, dos poetas, dos
músicos, da casa da felicidade, das moças românticas, das músicas vindas de
longe, tanto de amor como de maldizer. A descrição de perfis íntegros de homens
e mulheres fortes, de mulheres belas e doces, de poetisas que cantavam a chuva
e conversavam com as plantas e até à consagração de misses... Tudo isso a
compor esta admirável saga. Por esta
já somos UM POVO, temos uma GEOGRAFIA NATURAL, HUMANA e CULTURAL de AMOR à TERRA/ BERÇO que
acredito, que em nenhuma outra tem! Somos todos primos! E assim bradava Antonio
Albino ao passarmos pela Rua João Pessoa em Campina Grande: “Ô prima véia!!!” . Numa alegria
infantil de um títere pulando e gesticulando seus enormes braços abertos...
Há
meses que venho desvelando os guardados de Aninha revelados a Socorro. Acho
como no primeiro, essas memórias não terminaram...Como diz nossa Escritora:
Aninha só prega peças.. Todos os dias, cochixa aos meus ouvidos, entrega-me a
caneta e o papel e dá rumo às suas histórias. A sua palavra chega-me como um
perfume bom, delicio-me, depois entro no vazio de inquietações justas.. Aninha quer que eu escreva e aí, como diz D.
Hélder Câmara, aparecem as palavras e elas rebentam nos lábios em formas
inesperadas... E o que estava guardado na sua memória eu colho com as duas mãos
e o coração...
- Aninha
me prega cada peça... É assim que Socorro ralha com Aninha,
num monólogo delicioso, que só as duas se entendem. Só que desta vez pensa que
terminou essa travessia de histórias, que diria, ditas sem fim. Não terminou
não!
No
próprio texto Socorro diz que Aninha a levou ao doce caminho de volta à Fazenda
Navalha. Um lugar mítico, onde, simbolicamente, a nossa Autora celebra a
liberdade para se colocar no mundo como Escritora, quando se delicia das
brincadeiras e banhos de tanques de pedra ou quando prova do cardápio pleno de
uma mesa farta na figura de um suculento corredor a se escorrer num tempo que
lhe deu LUZ e INOCÊNCIA.
Aninha
sempre voltará para Socorro, desta vez com mais histórias de nossa gente que
ainda premeiam nas no linguajar cotidiano, nos campos e na rua de casa de Lecy
e Inácio Pereira, em frente da velha bueira, nos silêncios gritantes das raras
enxurradas, no enigma de suas grandes janelas que junto com esta apresentadora
a contemplarão os horizontes e sonharão uma maneira pegarem os céus com as
mãos...
Aninha vai voltar. Eis
o vaticínio. Só que desta vez bem mais
alegre, com seu vestido rodado de
chita estampado, mais saída e sem deboches contará nossas histórias
para que nós a recontemos aos descendentes na deliciosa imposição do
entrou perna de pato, entrou perna de pinto, seu rei mandou dizer que contasse
mais cinco. Por mais cinco, mais cinco séculos a fio.
Quem
viver, verá!!
Obrigada!
·
(*) Mª
da Conceição Gonçalves Pereira de Araújo é professora aposentada da UFPB,
escritora e membro do Instituto Histórico do Cariri.
CRÔNICA
Uma
homenagem poética
Miracy Farias *
Eu
abraço esta platéia que veio marcar presença no lançamento de mais uma obra da
escritora, pintora e historiadora Maria do Socorro Farias Almeida.
‘Deus
quer, o homem sonha, a obra nasce’. De sua lavra de ouro surge mais um livro:
‘Memórias guardadas no baú de Aninha’. Você, Socorro, sabe dar a história o que
ela quer de você. A história se faz através da memória. É cada vez mais urgente
estudar e entender nosso passado.
‘Escrever
é como girar um caleidoscópio. Uma coisa leva a outra e a história vai se
abrindo, os personagens vão aparecendo’. Como não se maravilhar com o
entrelaçado das gerações?
Fatos
contados e recontados, de muitas vidas marcadas pelo amor, pela união, pelas
lutas, construindo assim, esses laços singulares de família. Quando tantos
falam de casas acabadas, pessoas acabadas, mundo acabado, eles permanecem
inteiros pelo milagre do estudo minucioso desta escritora, que explora o tema
com tanta mestria.
Sempre
que ousa acordá-los do seu sono profundo essas lembranças vêm à tona e retira
seus ancestrais e os seus contemporâneos, do anonimato da vida. Então, há
ressurreição em cada página dos seus livros, em cada semente que brota do
pensamento amoroso desta mulher múltipla.
É
mister que se trace seu perfil. Sabemos que não gosta de falar publicamente,
porém, se expressa por escrito com precisão e elegância. Recordar é seu
exercício poético, nunca desprezando os melhores ‘flash’ da sua existência.
Nasceu em Boa Vista, aos dez de janeiro de 1941. Nesse ano, Ataulfo Alves e
Mário Lago gravaram o samba ‘Ai que saudades de Amélia’, cantado e assobiado
por todos os brasileiros. À mesma época fora estreado o filme ‘Como era verde,
o meu vale’, ganhador de cinco Oscar. É um daqueles filmes que nunca envelhecem,
igual a você.
Agraciada
por se destacar em áreas relevantes no desenvolvimento da pintura e da
genealogia, tornou-se uma artista plural, sendo abençoada por estes talentos
abundantes. Criou-se dentro da mais rígida educação patriarcal, orientada pelos
seus pais, Inácio e Lecy Pereira de Farias. Quando ainda menina, vivia a mesma
situação de um personagem da novela Cordel Encantado, quando desolado dizia:
‘eu só conhecia o mundo de ouvir falar’. Via a rua sem sair de casa, através do
retângulo vertical de uma das janelas da frente. Era uma espécie de ‘mirante’.
Olhava as meninas brincando de roda no leito da rua, em frente a casa do nosso
tio, Josué Batista, e nem sequer participava. Escutava as brincadeiras
eletrizantes nas calçadas de Agostinho Lucena, porém, silenciava o desejo do
vôo da liberdade. Gritar os versos de Castro Alves:
-
Feliz da araponga errante,
Que é
livre e que livre voa.
Eis a sua grande vontade: destravar a vida.
Qual seria o sabor daquela ‘gelada’, vendida
no Mercado Público, nas noites natalinas? E os passeios na rodagem, feitos na
juventude?
A sua adolescência foi menos severa, mais
apaziguada. Até foi Rainha da Festa do Bom Jesus! Nos dizeres de Cora Coralina:
‘A gente era moça do passado. Namorava de longe, vigiada. Aconselhada.
Doutrinada dos mais velhos, em autoridade, experiência, alto saber’.
E para os seus sonhos irrealizáveis,
parodiamos o Chico Buarque na sua canção: ‘Um lugar deve existir, uma espécie
de bazar, onde os sonhos extraviados vão parar’. Trancaram-se, ou, foram
trancados no baú de Aninha?
Em contrapartida teve uma parte de sua
infância e adolescência bem aproveitadas, ao lado dos seus pais e primas, na
fazenda Navalha, propriedade dos avós Quinca e Elvira. Sempre apóia a sua
memória no Navalha. Bons tempos aqueles, hein?
Os seus passeios bucólicos com a família, o
casarão cheio de gente e vozes, o balido das ovelhas, a cantiga dos ventos
mansos, o alarido das cigarras, ‘os galos tecendo manhãs’, os raios dosol
tecendo os seus caminhos por entre o emaranhado dos galhos,o inverno chegando
com a abundância da vegetação, ‘árvores
com lágrimas douradas de resina’, as pedrinhas lançadas nos
tanques,formando círculos que para você eram desenhos, o coral de batráquios
musicalizando os riachos, as águas descendo das bicas e você querendo, como
Quintana, ‘apenas a simplicidade da água bebida na concha da mão’, luares e
pores-de-sol, repetidos mas nunca com espetáculos idênticos, a letra bordada do
avô Quinca e os bem-te-vis cantando para celebrar a vida e ‘o verde dos seus
olhos, que nem o sol causticante queimou’, como falou Zé Américo.
Os tanques de sua infância estão lá, e também
ficaram encravados na geografia do seu coração. Navalha vive inteira na moldura
do seu imaginário. Mora dentro de suas telas, pintadas com cores e padrões
brilhantes. Ela está sempre voltando. No Navalha conheceu ‘a delícia das coisas
mais simples’, como reafirma Bandeira.
Para enriquecer sua biografia, construiu ao
lado de Ubirajara, seu esposo, uma família linda e decente, pautada no amor e
na religião. Marido, filhos, genros, netos, irmãs e sobrinhos são os elos,
forjados por Deus, desta corrente chamada família. E todos lhe agradecem pelo
privilégio de ser um arquipélago de histórias.
Eis a razão para se dizer numa expressão Drummondiana:
‘Sem você não somos mais o que éramos’.
(*) Miracy
Farias é uma
literata boavistense, que tem a leitura como hobby e a escrita como arte
literária.
POEMA
Evocação
Ogedir Batista (in memorian)
Fernando Pintassilgo e Socorro Batista |
Dia virá
em que me sentirás ausente,
A princípio,
perceberás apenas que há um profundo silêncio ao teu redor.
Somente depois
compreenderás que minha voz se calou
E começarás a sentir saudades.
Os teus
olhos acostumados ao meu perfil
me procurarão pelos quatro cantos
e apenas
verão sombras de um passado que jamais voltará,
E estas
sombras mais e mais te falarão,
do meu
amor,das minhas lágrimas,
dos meus sorrisos, dos meus passos
Sempre à
procura de algo que nunca pude encontrar.
Para
minorar a tua solidão recorrerás à música
e escutarás sem cessar
aquele
velho disco romântico que deixei esquecido sobre a vitrola,
E
sentirás pela primeira vez o quanto fui na tua vida.
Recordarás
a noite em que nos conhecemos
a
confissão sincera dos meus anseios,
o beijo
que selou nossos destinos
e os sonhos que tão ingenuamente sonhamos
mas,que
jamais se concretizaram.
Verás o
muito que tive pra te ofertar
e o tão pouco que quiseste aceitar de mim.
Tuas mãos
estarão geladas pelo frio da madrugada
e desejarás o calor.
Que só eu
poderia dar,
Neste
instante sentirás o tormento do ciúme
e, na tua imaginação,
me verás dando a
outro alguém tudo que te dei e recusaste,
o meu
amor, o meu futuro, as minhas aspirações e o meu afastamento,
então
será mais doloroso.
Talvez
tentarás esquecer – me através da bebida
mas entre
um copo e outro
estarás devidamente acariciando minha lembrança
e
sentirás ainda mais a minha ausência
e
chorarás como nenhuma mulher chorou sobre a terra
mas não
ouvirei o teu pranto,
nem
poderei consolar-te com meus carinhos
porque
estarei muito longe e continuarei ausente para sempre.
Portanto
minha querida, esqueça de mim.
Porque
longe de você, eu já morri a muito tempo.
(*) Ogedir Batista produziu este poema em 1964.
Foto de Ogedir e texto do poema enviados por sua filha Valéria
ALGUMAS PALAVRAS DE SOCORRO BATISTA,
PRECEDENDO A DECLAMAÇÃO DO POEMA:
Esta é uma noite singular para a cultura de nossa querida
Boa Vista. Momento impar em que a nossa conterrânea Maria do Socorro Farias
Almeida nos presenteia com mais uma grande obra: “Memórias guardadas no baú de
Aninha”.
Socorro Farias, professora, historiadora e memorialista,
estudiosa da ciência da genealogia. Mais uma filha da terra que se destaca no
seleto grupo dos escritores, que usam seu talento para registrar o cotidiano de
sua terra e de sua gente, a criação da família e sua evolução, registrando
momentos vividos e revividos que fazem a história de um povo.
Este resgate, Socorro Farias, que você faz, através deste
livro, é de peculiar importância para a nossa gente, que passa, a partir de
agora, a conhecer mais um pouco dos nossos antepassados, daqueles que
construíram a base familiar desta amada cidade de Boa Vista.
Parabéns pela grande obra e obrigada pela honrosa missão que
me reservou esta apoteótica noite – declamar um poema do meu saudoso tio Ogedir,
para enfeitar este momento sublime de emoção, saudade e plenitude, que só os
amantes da arte sabem valorizar.
O livro "Memórias Guardadas no Baú de Aninha"teve a sorte de ser escrito pela respeitável escritora M. do Socorro Farias de Almeida, cujo respeito à verdade histórica a fez abrir vários baús a procura de provas.
ResponderExcluirUm livro dessa natureza passa a ser parte integrante do acervo que procura desvendar os descendentes de Teodósio de Oliveira Ledo.
Boa Vista, mãe de centenas de valentes motoristas que nos anos 60,70 e 80 do século XX, venciam as péssimas estradas do Sul, agora é mãe carinhosa de mais uma escritora de talento.
Reservo-me o direito de desejar que outras obras alicercem a cultura boavistense.
Parabéns de
Langstein de Almeida Amorim