domingo, 17 de junho de 2012

Crônicas para meu amado pai



     Dia 19 de junho de 2012. Há dezesseis anos que meu pai, amado tesouro, partiu para a pátria espiritual. Para repercutir todas as saudades sentidas, desde aquela fria madrugada de Outono, transcrevo as crônicas que lhe dediquei e que foram publicadas no jornal O Norte, onde atuei por quinze anos.
    Agora, já acompanhado de minha mãe, que partiu em fevereiro de 2011, temos dois anjos a velar por nós.

Meu pai, um exemplo de vida
Fátima Farias

    Querido Inácio, tesouro de nossas vidas, felizmente a ‘morte’ não é o fim de tudo. Marca apenas a passagem de mais um ciclo que se vence para o reinício de outro, rumo à plenitude do ser. E é esta convicção que nos fortalece, neste instante, para enfrentarmos as saudades que deixastes ao voltar para a pátria espiritual. A separação, apesar de temporária, dói, mas o orgulho e a felicidade de tê-lo como pai, marido e cidadão exemplar nos confortarão sempre.
    Este privilégio é grande demais para ser esquecido. E os testemunhos que ouvimos, destacando sua probidade incontestável, ecoam nos nossos ouvidos como uma música serena para afagar nossa dor. Tua herança moral será sempre cultivada pelos teus descendentes.
    Especialista em amar a família, o fez de tal maneira que recusava a limitar quantidade de filhas às tuas ‘Três Marias’, costumando computar os sete netos no mesmo patamar de igualdade e ostentava orgulhosamente como um troféu ‘meus dez filhos’. E agora esta frondosa árvore, oriunda da união matrimonial de 58 anos com minha mãe, rende-se às homenagens pelo jardim que foi tua existência em nossas vidas.
    Meu pai, meu tesouro, o laço material desatou e rompeu teu salutar convívio entre nós. E como não devemos contestar os desígnios divinos, só nos resta aceitar que foi chegada tua hora de partir e agradecermos ao Pai Supremo pelo presente que nos deu em tê-lo conosco nesta passagem na Terra. Nosso vínculo afetivo, porém, permanecerá forte, embora em moradas distintas.
    Quem lucra agora com tua ilustre companhia são os entes queridos que o precederam no plano espiritual e que promoveram aquela ‘grande e linda festa’ que nos relatastes nos momentos finais de tua estada na Terra. Nos consola saber que eles te tranquilizaram nas horas mais difíceis de tua convalescência e prepararam bem tua viagem , apresentando-te aquele cenário iluminado que só uma dimensão mais evoluída que a nossa dispõe. Mereces um lugar assim para coroar tua singular trajetória de vida.
    Felizmente será lá que nos reencontraremos um dia. E o mais importante: seremos recepcionados por ti, que, enquanto isso, velará por nós. Que os anjos de luz o acolham bem na vida maior e verdadeira: a eternidade. Nós te amaremos sempre e obrigada pelo grande exemplo de amor e dignidade que plantastes em nosso corações.
Publicado dia 26 de junho de 1996, no jornal O Norte



Um mês sem te ver
Fátima Farias

    Ah, meu amado pai, quantas saudades! Há exatos trinta dias regressastes para a pátria espiritual e este espaço de tempo já parece secular. Às vezes penso estar sonhando, até acordar para a realidade do vazio. Como é triste não poder te ver, te abraçar, conversar contigo. Não está sendo fácil prosseguir a caminhada sem contar com tua presença física, teu aconchego.
    Mas, um dia, quando a angústia estava intensa, comecei a analisar que este quadro de desânimo não é interessante para mim, e muito menos para ti, que precisas desligar-se do mundo terreno para continuar bem tua jornada na nova morada. E imagino o quanto a tarefa é difícil para ti, a julgar pelo apego e amor extremos à família.
    Graças a Deus, a convicção da imortalidade da alma está ajudando-me a amenizar, um pouco, a dor da separação. Lembra-te quando falava sobre isso contigo? É possível que esteja mais claro agora para entenderes. Pois bem, tanto que graças ao Pai Supremo não consigo vê-lo preso a um corpo inerte. Procuro sempre sintonizar o pensamento numa frequência mais sublime. E a imagem que predomina é a de ti desfrutando de um cenário iluminado, alto astral, de muita paz, conquistado com o passaporte, fruto de uma vida digna, que garantiu tua elevação moral e espiritual. Só cultivastes boas qualidades e a colheita de tua morada atual só poderia ser positiva.
    Quando faço uma viagem de recuo no tempo, vejo muito forte a trajetória de tua vida ao nosso lado. As lembranças fluem como um projetor de slides, descortinando cada passagem, refletindo na tela mental do meu ser. É emocionante reviver estes momentos, pois ao teu lado só conhecemos paz, amor e felicidade. Esta é a opinião de todos nós, que orgulhosamente fazemos parte de tua família, ou melhor, tuas sementes.
    Ah, tesouro de minha vida! Apesar de não poder tocá-lo nem vê-lo, sinto permanentemente tua presença espiritual ao meu lado. E não poderia ser diferente. O forte vínculo afetivo não haveria de extinguir-se pelo fato de estarmos separados apenas pela barreira do invisível.
    E quando acontece de flagrar-me angustiada, passo a refletir as palavras de André Luiz: “A vida não cessa. A vida é fonte eterna e a morte é o jogo escuro das ilusões (...) Uma existência é um ato, um corpo – uma veste (...) a morte – um sopro renovador”. Então, até o dia do nosso reencontro. Reafirmo que te amarei sempre.

Publicado dia 19 de julho de 1996, no jornal O Norte


Minha eterna e suave lembrança
Fátima Farias

    Ontem fez exatos oitenta anos que a alegria tomou conta do lar do casal Joaquim e Elvira, com o nascimento daquele que mais tarde seria meu pai. E a primogênita da família – Ana ou Naninha – bastante apegada à família – inaugurava ali o ciclo de amor extremo à sua irmandade, reservando ainda doses para os cinco irmãos seguintes e sua descendência.
    O amor foi a tônica daquele lindo relacionamento, ressaltado por muitos, e que tive a oportunidade de admirar e conferir mais tarde. Pelo que pude observar meu pai assimilou bem as lições ou exemplos de sua mana e os aplicou à família, formada por ele e minha mãe. E ainda desdobrou a chama para afetiva para seus familiares mais próximos.
    Fui acostumada a conviver com todo aquele aconchego e admirar aquela parceria. Gostava de conversar com titia e ouvi-la falar sobre pessoas da família, que minha geração não conseguiu alcançar. Depois passava a repercutir estas histórias junto ao meu pai. Ele costumava ressaltar a união e afetividade, que reinava entre seus tios maternos, bem como o forte vínculo que nutria com os tios paternos.
    Achava aquilo tão lindo e cada vez mais ia estreitando os laços de afinidade com meu pai. Compreendia, enfim,  a herança de seu extremado amor à família que ele fundou com minha mãe, donde resultou em quatro filhas (a primeira nasceu morta) e sete netos, considerados, por ele, ‘joias raras’. Com é doce lembrar a convivência com ele!  Ano passado, nos nossos bate-papos, começamos a planejar a festa dos seus 80 anos. Ele aceitava a ideia, mas com o passar do tempo, quando voltava a falar no assunto, talvez sentindo o peso da convalescença, não dizia, mas passava a expressão que ‘não chegaria lá’.
    Parecia uma intuição. E hoje, há exatos cinco meses, Deus – nosso Pai Supremo -  entendeu que havia concluído sua missão na Terra, e o levou de volta para a pátria espiritual. Deveria estar precisando de alguém especial naquele plano para alguma tarefa de amor e convocou um especialista. Mas parodiando o  big-Gibran: levou-o de “entre nós”, mas “não de nós”.
    Mesmo assim, ontem não foi possível realizarmos aquela festa preferida – a reunião com sua família – mas certamente daí você recebeu todas as nossas vibrações e preces de amor, emanadas do fundo do nosso coração. A eterna e suave lembrança, por enquanto, é a senha que nos sintonizará para sempre, no intercâmbio entre dois mundos. Sempre agradecendo a Deus, o pai maravilhoso que tive, e tenho, dado a certeza que você não morreu, mas apenas vive noutro lugar, esperando-nos até o dia do reencontro, por enquanto, receba expressões do profundo amor de sua família. Além de pai temos agora um anjo a velar por nós. Muito obrigada e plena espiritual!
Publicado dia 19 de novembro de 1996, no jornal O Norte


Meu presente de Natal
Fátima Farias

Parte da família reunida
Ouvimos uma batida no portão
Segue Carol para abrir a porta
Deve ser Adriana que chegou
Tamanha surpresa toma conta de nós
Não era ela. Eras tu, meu pai
Com aquele teu jeitinho angelical,
Ligeiro, cansado e molhado de suor.
Meu coração, tomado de alegria,
corro para te abraçar
Não deu tempo. Não consigo.
Felicidade durou pouco.
Acordei. O sonho acabou.
Tristeza? Oh não!
Continuas aqui
Embora não podemos ver-te,
mas sentir-te.
Não poderia ser diferente, nem faltar
É Natal! Tua festa preferida
O reencontro com a família,
viestes nos visitar
Que maravilhosa presença.
Ficas conosco, amenizas nossas saudades
Consola-me, meu pai
Meu lindo presente de Natal!

Era dia 20.12.96, quando tive este sonho, pela primeira vez de forma nítida. Exatos seis meses e um dia depois que meu pai partiu para a eternidade. Daí, fui inspirada a escrever desta forma. Não entendo de poesia, mas sem compromisso com as regras poéticas, saiu isso aí.
 

Um ano depois...
Fátima Farias

    Por alguns instantes pensei que a felicidade fosse palpável. É que um dia destes senti uma energia positiva aproximando-se e identifiquei meu pai vindo ao meu encontro. Com o coração tomado de imensa emoção corri para abraçá-lo. Não consegui. A alegria durou pouco e a frustração prosseguiu.
    E assim se passou um ano que o vi e o abracei pela última vez. Desde então a saudade fincou morada nos meus dias, para combinar com aquela madrugada – um final de Outono como hoje – que marcou a nossa separação, ao viajar para a eternidade. Para driblar essa lacuna na minha vida às vezes finjo que ele está lá em casa e apenas a distância geográfica nos separa. Ledo engano. Não demora muito, descortina-se a fantasia para dar espaço à realidade.
    Daí compreendo a observação de Artur da Távola, de que “a perda do pai é a retirada da rede protetora no momento do salto”. Faz sentido. Quanta insegurança! É duro já não tê-lo ao meu lado para consolar as tristezas e compartilhar as alegrias. Fica difícil entrar em nossa casa e não contar mais com aquela felicidade, estampada no largo sorriso e brilho no olhar, pela minha chegada. Por isso adio o que posso esta visita.
    Ao invés do aconchego, me deparo com o vazio, apesar de sua marca estar presente em cada recanto. Convicta da imortalidade da alma, posso até senti-lo de alguma forma, mas como é complicado não poder vê-lo nem tocá-lo. “Naquela casa está faltando ele e a saudade dele está doendo em mim”. É isso mesmo Bittencourt.
    Felizmente o amor não se extingue. Transcende a barreira do invisível. Deus tem me fortalecido para amenizar a solidão. Com carinho, cultivo a sua memória de homem bom e do bem, considerada o maior patrimônio da família. Não me contenho em ficar só para mim o privilégio de ter um pai exemplar e amoroso. Daí repercutir seus exemplos de amor, dignidade, fortaleza, simplicidade...
    Pela sua trajetória de vida não tenho dúvida de que você conquistou um lugar compatível na dimensão em que se encontra. E agora, meu amado pai, o que nos resta para curar as saudades? A resposta está no tempo. Nada melhor do que o sábio tempo para a solução final de todas as coisas. E até o tempo do nosso reencontro, meu eterno tesouro. Muita paz!

Publicado dia 19 de junho de 1997, no jornal O Norte