terça-feira, 31 de janeiro de 2012

HISTÓRIAS DO CARIRI Talentos culturais boavistenses homenageiam Socorro Farias durante lançamento de livro







Uma noite cultural boavistense! Foi este o diferencial que marcou o lançamento do livro ‘Memórias guardadas no Baú de Aninha’, da escritora Maria do Socorro Farias Almeida, dia 21 de janeiro, em Boa Vista, no Cariri paraibano. Diversos talentos de várias modalidades artístico-culturais se apresentaram para homenagear a autora, que foram prestigiados por uma platéia formada por conterrâneos, familiares e amigos, vindos de diversos municípios, além de estados vizinhos.
Música, poesia, literatura deram o tom à noite. Um verdadeiro desfile cultural, apresentado, cantado, declamado e exaltado por filhos da terra, descendente da linhagem do capitão-mor português Teodósio de Oliveira Ledo. Acompanhada pelo flautista Fernando Pintassilgo, nome artístico de Antônio Fernando Farias, Socorro Batista Gomes declamou uma poesia do seu tio Ogedir Batista (in memorian). Pintassilgo retornou no final, fazendo um dueto com o flautista Roniere Soares.
Dalva Costa Guimarães, amiga de infância da autora, que a chama de 'Dalva de Oliveira' paraibana, relembrou a fase de adolescência e homenageou Socorro, deu um show de talento, com sua bela voz e emocionou a platéia, que pediu bis. A talentosa literata Miracy Farias leu a brilhante crônica que fez para a autora. Pura emoção!!! A professora Conceição Pereira de Araújo fez a apresentação do livro e o conduziu com muita emoção, resgatando personagens e histórias boavistenses. O professor Egberto Araújo, que assina o prefácio do livro, fez uso da palavra, além do vice-prefeito, André Gomes.
Por fim, Gabriel, neto de Socorro e representando a família, a presenteou com um ramalhete de rosas.


‘Memórias guardadas no Baú de Aninha’ destaca genealogia e histórias 
de pessoas e famílias

O conteúdo do livro trata de um misto de genealogia com histórias de pessoas e famílias que nunca foram contadas.  Com origens fincadas na linhagem dos descendentes do capitão-mor português, Teodósio de Oliveira Ledo, além de Boa Vista, o conteúdo do livro, que trata de nove gerações, contempla algumas pessoas oriundas de outras localidades caririzeiras, especialmente Cabaceiras, São João do Cariri, Serra Branca, Sumé e Soledade. Tudo isso distribuído em 874 páginas.
Com selo da Editora A União, a obra revela origens familiares de Boa Vista e será apresentada, na solenidade de lançamento, pela professora universitária Maria da Conceição Gonçalves de Araújo. Segundo a autora, o livro, além de uma fonte de pesquisa que consolida parte da história regional do Cariri paraibano, destaca, no seu teor, elementos do perfil sócio-econômico-político-cultural da genealogia das famílias que originaram-se da Fazenda Santa Rosa – Boa Vista, fazendo a retrospectiva de uma história quatrocentenária.
Socorro Farias informa que o capitão-mor português Teodósio de Oliveira Ledo foi um desbravador infatigável, que chegou ao Brasil em 1680, possuindo propriedades em diversas regiões paraibanas. Acrescenta que foi na zona do Cariri, onde ele fundou a mais marcante: a Fazenda Santa Rosa, berço da descendência do município de Boa Vista, que pertencia ao município de Campina Grande.
Foi ali que germinou a árvore genealógica em que muitos dos seus descendentes, ao longo das nove gerações, destacaram-se nos aspectos sócio-econômico-político-cultural. O livro trata de toda esta trajetória. A arte da capa é assinada pela autora, que também é artista plástica.
A autora, que debruça-se sobre a pesquisa genealógica há mais de duas décadas, alerta que “a história dos nossos ancestrais é nossa. Se não repassar, ela desaparecerá e que deverá manter-se vivas nas memórias para servir-se de herança”. Neste sentido, outra vantagem, apresentada pela obra, é que as pessoas, ao conhecerem suas origens, poderão ter a base para prosseguir e construir sua própria árvore genealógica.
 “Registrar a história é legar às gerações atuais e futuras a oportunidade de conhecer suas origens. Isso beneficia os nossos referenciais, quanto à importância e repercussão do passado na construção do nosso presente e do futuro”, reforça a autora, que é membro do Instituto Histórico e Geográfico do Cariri Paraibano.

Revisitando os desbravadores

Ao assinar a apresentação da obra, o professor universitário Egberto Araújo ressalta os méritos de escritora da autora, que estreou no mundo literário com a obra ‘Abrindo o baú de Aninha’ (1998). “A escritora Maria do Socorro Farias Almeida nos brinda com mais uma obra, ‘Memórias guardadas no Baú de Aninha’, que revisita a biografia dos pioneiros desbravadores e os laços com as famílias de Boa Vista e derivadas destas. A escritora vai desvelando em seu texto histórias de famílias nunca contadas: uma por receio e outras por segredos.
Nestas últimas, prossegue Egberto, estavam os casamentos não consentidos, o amor entre os amantes... Neste livro caminhamos séculos adentro nas histórias de entrelaçamentos familiares que no presente afirmam nossa identidade e nos dão destino, onde os fios da consagüinidade que nos unem garantem a nossa ancestralidade como uma marca indelével do pioneirismo de uma saga que não terá fim... Diante da importância histórica deste livro, lê-lo, estudá-lo, e refleti-lo é uma imposição cívica agregado ao prazer de se encontrar em cada página”.
O livro traz ainda uma crônica da jornalista Fátima Farias, com o título  “No aconchego da ancestralidade”, relatando o reencontro com suas raízes e ressaltando a importância da visão sistêmica, na ordem do pertencimento, hierarquia e honra aos ancestrais.

Informações para adquirir o livro: marisfal@gmail.com





CONFIRA A COBERTURA DO EVENTO! 



                                                    Fotos: Ceiça Rocha

                                          Mª do Socorro Farias Almeida
                                                  
                                          Composição da mesa

                                                       O discurso da autora
                              Mª da Conceição Gonçalves Araújo (apresentadora)
                                              Egberto Araújo (prefaciador)
                                    André Gomes (vice-prefeito de Boa Vista)
                                  Fernando Pintassilgo e Socorro Batista
                                Cantora Dalva Guimarães encantou a platéia

                                                     Cronista Miracy Farias
Fernando Pintassilgo e Roniere Soares
                               Conceição e Egberto homenagearam a autora
                             A homenagem do neto Gabriel, representando a família
                             da autora. Pura emoção!






                                            Assessoria de imprensa: Fátima Farias

                                              
                                           
                                            Fátima Farias comandou o cerimonial
                                                   e a assessoria de imprensa




                 DISCURSO DE SOCORRO FARIAS




Sou genealogista e historiadora improvisada. Apenas desejo legar às gerações atuais e futuras a história de nossos ancestrais, porque é muito importante.
         Vidas se passaram, mas nós somos a continuação, pois o presente depende do passado deles.
         Quando criança ouvia histórias da convivência de minha família, que me causava um grande fascínio.
         Ainda hoje tenho desejo de ter feito parte dessa convivência.
         Sou fascinada por baús. Possuo meu baú de lembranças. Sempre haverá um baú para ser explorado. Quem sabe você encontrará retalhos da vida de sua família, que deixou suas lembranças, seus sentimentos, sonhos não realizados etc.
         Quantas gerações já passaram por solitários baús? É preciso esvaziar um velho baú e conhecer seus antepassados. Sentirá saudades e lembranças.
É gratificante!
Agradeço a Deus, por me inspirar e me conceder mais uma oportunidade de aprofundar um tema que tanto me dá prazer.
Agradeço ao professor Egberto Araújo pelo brilhante prefácio do livro e à prima e amiga Conceição Gonçalves Araújo, que, pela segunda vez, me prestigia com a apresentação dos meus livros.
Sou imensamente grata pela presença de todos vocês, meus convidados, familiares e amigos, que me fazem feliz. Especialmente aos boavistenses que residem noutros municípios e estados e se deslocaram até aqui, exclusivamente para compartilhar comigo deste grande momento.




    APRESENTAÇÃO DO LIVRO
Profª Mª da Conceição Gonçalves Pereira de Araújo *


Estimadíssima genealogista Ma. do Socorro Farias Almeida, artista plástica Marisfal e familiares aqui presentes que nesta ocasião serão saudados em nome de Alisson e Maria Augusta, jornalista e escritora Fátima Farias, saúdo autoridades civis e eclesiásticas aqui presentes. Família de Teodósio de Oliveira Ledo, que somos nós, escritores, intelectuais de todos os níveis saudados em nome de Miracy Farias, meus senhores e minhas senhoras:
- Antes de iniciar a minha oração desta noite eu e Egberto, comprometidos com a Memória, achamos por bem sintetizar o que mídia propagou deste evento admirável. Juntamos tudo num só quadro para que Socorro e  seus familiares e os da Casa do Roçado do Mato, mantivessem redivivo este momento histórico e afetivo.
(CONCEIÇÃO FEZ A ENTREGA DO QUADRO)
Mais uma vez a genealogista Ma. do Socorro me brinda com a honra de me colocar diante do Baú de Aninha... A primeira vez foi  no dia 2 de maio de 1998, neste mesmo espaço deste Grupo Escolar Teodósio de Oliveira Ledo, onde nós e tantos de vocês por aqui passaram. Nesta espaço gravitam, em ondas imaginárias, as vozes das salas de aula e uma legião de professoras estelares a pedirem silêncio à balbúrdia juvenil, a ditarem as cópias, ditados ao mesmo tempo que a sineta de D. Enedina anunciava o recreio que se embranquecia com as sacolas das merenda avidamente destroçadas enquanto lá do pátio vinha o coro “se esta rua fosse minha”...ou “fui ao Tororó beber água...” ou “fui à Espanha buscar o meu chapéu”...Esta última se me fez presente numa grande avenida de Madrid, nela procurei nos vendedores de rua um chapéu para compor o meu visual de sonhos de infância...Não encontrei nenhum chapéu com fitas azuis e brancas...Mas encontrei os leques de Manolita, artista de uma companhia mambembe que se apresentou numa noite na garagem de Seu Perico e de D. Chiquinha, hoje ladeada das casas do engenheiro agrônomo Josemberg Farias e de D. Berenice.
  Aninha prega peças... Ela inspirou  a escritora Socorro Farias Almeida dar um rumo definitivo à nossa identidade, chamou-a a gravitar numa órbita de sentidos onde o sangue de família  sem os dotes materiais mas com os laços que nos unem, promoveram uma afinidade intensa na significação suprema de se pertencer.
O Baú das Memórias guardadas de Aninha permitiu que se expusessem seus tesouros traduzidos na infinita simplicidade do cheiro  das coisas guardadas na aparição das redes de varandas rendadas, nos punhos retorcidos e esmaecidos pelo tempo, nas mantas coloridas bordadas a mão por moças casadoiras a tecerem seus enxovais de sonhos, cheios de amores encantados, de cavalheiros gentis, dos mistérios da alcova, das dores de amar até morrer...
 O primeiro Baú tinha um ar de coisas não acabadas... O mistério das descobertas estavam instigando levar a pensadora a uma curiosidade ancestral que foi deixada nas últimas páginas. Era como se elas já iniciassem a primeira destas Memórias hoje consumadas neste segundo volume. Suponho Socorro levantando a pesada e enorme parte da Baú que se apresentou brilhante e trêmula  diante das histórias que saíam de uma tumba que  os nossos desbravadores ainda estavam presos...
Esse contigente se organizou, se materilizou neste respeitável Documento de eterna consulta de nossa identidade e destino de estarmos no mundo cujos vínculos nos protegem e nos credenciam a pretencermos a uma só família. À Família dos Oliveira Ledo e seus descendentes na fixação edificada da Casa Grande que se constituiu a maior descendência de Santa Rosa de Boa Vista, cujos relatos aprofundam e regatam a Antroplogia de  uma saga, também, estudada por Dr. Antônio Peba e Francisco Soares.
  Há muito que falar nesta noite... Certamente este desvendar familiar me deixou emocionada por muitas razões. Uma delas  é que fui sabedoura de que o espírito de pioneirismo de Seu Dadá, meu pai, trouxe para Boa Vista o primeiro telefone, cuja cabine era dentro de casa mesmo e só se comunicava com Cabaceiras, o que na época já era um grande avanço. Encheu-me de emoção, Socorro, quando você se refere a João de Dadá comparando-o a um Anjo por cuidar de doentes sem socorro médico, com ferimentos graves, sem temer ou exigir paga.
  Fui gratificada com imensas gargalhadas noite a dentro onde se recorda tantos e tantas figuras hilárias que povoarem o imaginário de Boa Vista, como o inesquecível e puro Seu Buída que, invariavelmente, terminava qualquer conversa com a expressão;” Não é seu miserável?” ou o “já vou velha abusada” de Zé Maria que não respeitava nem a doce e linda D. Luzia ou a birra de Zuria que não gostava de trabalhar e que escondia suas roupas num caixão de defunto que um primo foi sepultado no mesmo, mas que tinha uma faceta: amava as primas e não casou com nenhuma delas...
São incontáveis as vezes que fui chamada de Tia Lica, quando caprichosa não queria tomar um remédio amargo ou protestava por medo ou cavilação... Não posso deixar de mencionar a fantástica cura de Dondo, as botijas que causavam assombração, enterredas nas salas das Casas Grandes, as cantigas sextilhadas das feiras, a descrição pungente dos lamentos das mortes por parto, as temidas pragas dos escravos, os lamentos e humilhações silenciosas a perder de vista no horizonte... E ainda as histórias da chegada do motor de luz elétrica, a descoberta da bentonita, as mortes por febre, os casamentos entre parentes.
Com a modernidade, a chegada dos doutores da terra, dos políticos, dos poetas, dos músicos, da casa da felicidade, das moças românticas, das músicas vindas de longe, tanto de amor como de maldizer. A descrição de perfis íntegros de homens e mulheres fortes, de mulheres belas e doces, de poetisas que cantavam a chuva e conversavam com as plantas e até à consagração de misses... Tudo isso a compor esta admirável saga. Por esta já somos UM POVO, temos uma GEOGRAFIA NATURAL, HUMANA e CULTURAL de AMOR à TERRA/ BERÇO que acredito, que em nenhuma outra tem! Somos todos primos! E assim bradava Antonio Albino ao passarmos pela Rua João Pessoa em Campina Grande: “Ô prima véia!!!” . Numa alegria infantil de um títere pulando e gesticulando seus enormes braços abertos...
  Há meses que venho desvelando os guardados de Aninha revelados a Socorro. Acho como no primeiro, essas memórias não terminaram...Como diz nossa Escritora: Aninha só prega peças.. Todos os dias, cochixa aos meus ouvidos, entrega-me a caneta e o papel e dá rumo às suas histórias. A sua palavra chega-me como um perfume bom, delicio-me, depois entro no vazio de inquietações justas.. Aninha quer que eu escreva e aí, como diz D. Hélder Câmara, aparecem as palavras e elas rebentam nos lábios em formas inesperadas... E o que estava guardado na sua memória eu colho com as duas mãos e o coração...
- Aninha me prega cada peça... É assim que Socorro ralha com Aninha, num monólogo delicioso, que só as duas se entendem. Só que desta vez pensa que terminou essa travessia de histórias, que diria, ditas sem fim. Não terminou não!
No próprio texto Socorro diz que Aninha a levou ao doce caminho de volta à Fazenda Navalha. Um lugar mítico, onde, simbolicamente, a nossa Autora celebra a liberdade para se colocar no mundo como Escritora, quando se delicia das brincadeiras e banhos de tanques de pedra ou quando prova do cardápio pleno de uma mesa farta na figura de um suculento corredor a se escorrer num tempo que lhe deu LUZ e INOCÊNCIA.
Aninha sempre voltará para Socorro, desta vez com mais histórias de nossa gente que ainda premeiam nas no linguajar cotidiano, nos campos e na rua de casa de Lecy e Inácio Pereira, em frente da velha bueira, nos silêncios gritantes das raras enxurradas, no enigma de suas grandes janelas que junto com esta apresentadora a contemplarão os horizontes e sonharão uma maneira pegarem os céus com as mãos...
Aninha vai voltar. Eis o vaticínio. Só que desta vez bem mais alegre, com seu vestido rodado de chita estampado, mais saída e sem deboches contará nossas histórias para que nós a recontemos aos descendentes na deliciosa imposição do entrou perna de pato, entrou perna de pinto, seu rei mandou dizer que contasse mais cinco. Por mais cinco, mais cinco séculos a fio.
Quem viver, verá!!
Obrigada!

·
      (*) Mª da Conceição Gonçalves Pereira de Araújo é professora aposentada da UFPB, escritora e membro do Instituto Histórico do Cariri.


CRÔNICA
Uma homenagem poética
Miracy Farias *


Eu abraço esta platéia que veio marcar presença no lançamento de mais uma obra da escritora, pintora e historiadora Maria do Socorro Farias Almeida.
‘Deus quer, o homem sonha, a obra nasce’. De sua lavra de ouro surge mais um livro: ‘Memórias guardadas no baú de Aninha’. Você, Socorro, sabe dar a história o que ela quer de você. A história se faz através da memória. É cada vez mais urgente estudar e entender nosso passado.
‘Escrever é como girar um caleidoscópio. Uma coisa leva a outra e a história vai se abrindo, os personagens vão aparecendo’. Como não se maravilhar com o entrelaçado das gerações?
Fatos contados e recontados, de muitas vidas marcadas pelo amor, pela união, pelas lutas, construindo assim, esses laços singulares de família. Quando tantos falam de casas acabadas, pessoas acabadas, mundo acabado, eles permanecem inteiros pelo milagre do estudo minucioso desta escritora, que explora o tema com tanta mestria.
Sempre que ousa acordá-los do seu sono profundo essas lembranças vêm à tona e retira seus ancestrais e os seus contemporâneos, do anonimato da vida. Então, há ressurreição em cada página dos seus livros, em cada semente que brota do pensamento amoroso desta mulher múltipla.
É mister que se trace seu perfil. Sabemos que não gosta de falar publicamente, porém, se expressa por escrito com precisão e elegância. Recordar é seu exercício poético, nunca desprezando os melhores ‘flash’ da sua existência. Nasceu em Boa Vista, aos dez de janeiro de 1941. Nesse ano, Ataulfo Alves e Mário Lago gravaram o samba ‘Ai que saudades de Amélia’, cantado e assobiado por todos os brasileiros. À mesma época fora estreado o filme ‘Como era verde, o meu vale’, ganhador de cinco Oscar. É um daqueles filmes que nunca envelhecem, igual a você.
Agraciada por se destacar em áreas relevantes no desenvolvimento da pintura e da genealogia, tornou-se uma artista plural, sendo abençoada por estes talentos abundantes. Criou-se dentro da mais rígida educação patriarcal, orientada pelos seus pais, Inácio e Lecy Pereira de Farias. Quando ainda menina, vivia a mesma situação de um personagem da novela Cordel Encantado, quando desolado dizia: ‘eu só conhecia o mundo de ouvir falar’. Via a rua sem sair de casa, através do retângulo vertical de uma das janelas da frente. Era uma espécie de ‘mirante’. Olhava as meninas brincando de roda no leito da rua, em frente a casa do nosso tio, Josué Batista, e nem sequer participava. Escutava as brincadeiras eletrizantes nas calçadas de Agostinho Lucena, porém, silenciava o desejo do vôo da liberdade. Gritar os versos de Castro Alves:
 - Feliz da araponga errante,
            Que é livre e que livre voa.
Eis a sua grande vontade: destravar a vida.
Qual seria o sabor daquela ‘gelada’, vendida no Mercado Público, nas noites natalinas? E os passeios na rodagem, feitos na juventude?
A sua adolescência foi menos severa, mais apaziguada. Até foi Rainha da Festa do Bom Jesus! Nos dizeres de Cora Coralina: ‘A gente era moça do passado. Namorava de longe, vigiada. Aconselhada. Doutrinada dos mais velhos, em autoridade, experiência, alto saber’.
E para os seus sonhos irrealizáveis, parodiamos o Chico Buarque na sua canção: ‘Um lugar deve existir, uma espécie de bazar, onde os sonhos extraviados vão parar’. Trancaram-se, ou, foram trancados no baú de Aninha?
Em contrapartida teve uma parte de sua infância e adolescência bem aproveitadas, ao lado dos seus pais e primas, na fazenda Navalha, propriedade dos avós Quinca e Elvira. Sempre apóia a sua memória no Navalha. Bons tempos aqueles, hein?
Os seus passeios bucólicos com a família, o casarão cheio de gente e vozes, o balido das ovelhas, a cantiga dos ventos mansos, o alarido das cigarras, ‘os galos tecendo manhãs’, os raios dosol tecendo os seus caminhos por entre o emaranhado dos galhos,o inverno chegando com a abundância da vegetação, ‘árvores  com lágrimas douradas de resina’, as pedrinhas lançadas nos tanques,formando círculos que para você eram desenhos, o coral de batráquios musicalizando os riachos, as águas descendo das bicas e você querendo, como Quintana, ‘apenas a simplicidade da água bebida na concha da mão’, luares e pores-de-sol, repetidos mas nunca com espetáculos idênticos, a letra bordada do avô Quinca e os bem-te-vis cantando para celebrar a vida e ‘o verde dos seus olhos, que nem o sol causticante queimou’, como falou Zé Américo.
Os tanques de sua infância estão lá, e também ficaram encravados na geografia do seu coração. Navalha vive inteira na moldura do seu imaginário. Mora dentro de suas telas, pintadas com cores e padrões brilhantes. Ela está sempre voltando. No Navalha conheceu ‘a delícia das coisas mais simples’, como reafirma Bandeira.
Para enriquecer sua biografia, construiu ao lado de Ubirajara, seu esposo, uma família linda e decente, pautada no amor e na religião. Marido, filhos, genros, netos, irmãs e sobrinhos são os elos, forjados por Deus, desta corrente chamada família. E todos lhe agradecem pelo privilégio de ser um arquipélago de histórias.
Eis a razão para se dizer numa expressão Drummondiana: ‘Sem você não somos mais o que éramos’.

    (*) Miracy Farias é uma literata boavistense, que tem a leitura como hobby e a escrita como arte literária.


                                                                      
POEMA
 Evocação
Ogedir Batista (in memorian)

Fernando Pintassilgo e Socorro Batista
                                             

  Dia virá em que me sentirás ausente,
  A princípio, perceberás apenas que há um profundo silêncio ao teu redor.
  Somente depois compreenderás que minha voz se calou
  E começarás a sentir saudades.
  Os teus olhos acostumados ao meu perfil 
  me procurarão pelos quatro cantos
  e apenas verão sombras de um passado que jamais voltará,
  E estas sombras mais e mais te falarão,
  do meu amor,das minhas lágrimas,
  dos meus sorrisos, dos meus passos
  Sempre à procura de algo que nunca pude encontrar.
  Para minorar a tua solidão recorrerás à música 
  e escutarás sem cessar
  aquele velho disco romântico que deixei esquecido sobre a vitrola,
  E sentirás pela primeira vez o quanto fui na tua vida.
  Recordarás a noite em que nos conhecemos
  a confissão sincera dos meus anseios,
  o beijo que selou nossos destinos 
  e os sonhos que tão ingenuamente sonhamos
  mas,que jamais se concretizaram.
  Verás o muito que tive pra te ofertar 
  e o tão pouco que quiseste aceitar de mim.
  Tuas mãos estarão geladas pelo frio da madrugada 
  e desejarás o calor.
  Que só eu poderia dar,
  Neste instante sentirás o tormento do ciúme 
  e, na tua imaginação, 
  me verás dando a outro alguém tudo que te dei e recusaste,
  o meu amor, o meu futuro, as minhas aspirações e o meu afastamento,
  então será mais doloroso. 
  Talvez tentarás esquecer – me através da bebida
  mas entre um copo e outro 
  estarás devidamente acariciando minha lembrança
  e sentirás ainda mais a minha ausência
  e chorarás como nenhuma mulher chorou sobre a terra
  mas não ouvirei o teu pranto,
  nem poderei consolar-te com meus carinhos
  porque estarei muito longe e continuarei ausente para sempre.
  Portanto minha querida, esqueça de mim.
  Porque longe de você, eu já morri a muito tempo.
                                                                
   
   (*) Ogedir Batista  produziu este poema em 1964. 
  Foto de Ogedir e texto do poema enviados por sua filha Valéria

ALGUMAS PALAVRAS DE SOCORRO BATISTA,
PRECEDENDO A DECLAMAÇÃO DO POEMA:

         Esta é uma noite singular para a cultura de nossa querida Boa Vista. Momento impar em que a nossa conterrânea Maria do Socorro Farias Almeida nos presenteia com mais uma grande obra: “Memórias guardadas no baú de Aninha”.
         Socorro Farias, professora, historiadora e memorialista, estudiosa da ciência da genealogia. Mais uma filha da terra que se destaca no seleto grupo dos escritores, que usam seu talento para registrar o cotidiano de sua terra e de sua gente, a criação da família e sua evolução, registrando momentos vividos e revividos que fazem a história de um povo.
         Este resgate, Socorro Farias, que você faz, através deste livro, é de peculiar importância para a nossa gente, que passa, a partir de agora, a conhecer mais um pouco dos nossos antepassados, daqueles que construíram a base familiar desta amada cidade de Boa Vista.
         Parabéns pela grande obra e obrigada pela honrosa missão que me reservou esta apoteótica noite – declamar um poema do meu saudoso tio Ogedir, para enfeitar este momento sublime de emoção, saudade e plenitude, que só os amantes da arte sabem valorizar.